Glória (Histórias do orfanato raio de sol)
Neto
Sanville
_______________________________ Parte 01
Era um pouco mais
de quatro horas da tarde da primeira quinta feira de dezembro de mil novecentos
e oitenta e seis. A Irmã Penélope saiu da cozinha e Fernanda se aproximou de
glória e disse quase num sussurro:
- O que está acontecendo com você? Faz três dias que você
está assim. Não adianta dizer que está bem, pois não está mesmo!
- Nanda, eu... Não posso falar sobre isso.
- A Terezinha está aprontando alguma? Me conta, eu acabo com
ela!
- Não! Tá bem, o meu irmão... desde que ele começou a
trabalhar que ele tá com uma ideia da gente fugir...
- O quê? Isso é loucura!
- Eu sei...
- E pra onde vocês vão? Não, vocês não podem fazer isso.
- Ele disse que se eu não for junto, talvez nunca mais o
veja, que ele vai sozinho.
- Glória, vocês não podem sair daqui assim... Vocês só tem
quinze anos. Como é que vocês vão viver?
- Eu não sei. Na verdade, no começo achei que fosse uma boa
idéia, mas agora começo a ficar com medo.
- Mas... Quais são os planos dele? Quer dizer, vocês vão
simplesmente sair por aí?
- Eu vou tentar conversar com ele de novo. Ele está tão
decidido... Olha, por favor não conta a ninguém.
- A quem eu contaria? Depois que a Anabela foi embora, você
é a minha única amiga.
- Eu não quero mais falar nisso.
- Está bem, mas saiba que pode contar comigo.
A Irmã Penélope
voltou e elas continuaram a descascar as verduras para a sopa em silêncio. No
outro dia de manhã, enquanto cuidavam do jardim; Fernanda perguntou como ela
estava e ela disse que ainda não tinha conversado com o irmão. Fernanda foi
ajudar a Irmã Júlia a cuidar de uma pequena órfã que caiu e estava chorando, e
Terezinha se aproximou de Glória, que fingiu não vê-la. Terezinha falou em tom
provocativo:
- Eu vou descobrir o que vocês duas estão tramando. Eu
percebi que tá acontecendo alguma coisa, e eu vou descobrir o que é.
Glória fingiu que
não escutou, e Terezinha falou que ia ficar de olho nelas, e saiu. Glória
pensou que ao menos quando fugisse, não precisaria mais conviver com Terezinha,
isso seria uma coisa boa.
Depois do almoço
Glória se aproximou do irmão que estava sentado na calçada, ao lado da porta do
orfanato, olhando alguns dos órfãos jogando bola no jardim. Ela sentou ao lado
dele e disse quase num sussurro:
- E então, Bruno; pensou melhor?
- Tá decidido, Glória. Vou receber amanhã à tarde, mas não
vou voltar pro orfanato. Você me encontra onde eu falei e a gente vai embora
daqui.
- Bruno, eu tô com medo...
- Glória, eu já falei que é melhor assim. De qualquer forma,
a gente vai ter que sair daqui mesmo e cuidar das nossas vidas...
- Mas, isso é daqui a quase três anos...
- Temos que ir amanhã.
- Mas... A gente não tem nem muita roupa... E os nossos
documentos que estão com a Madre? E como é que a gente vai estudar?
- Isso tudo a gente resolve com o tempo. Olha, não precisa
ter medo. A gente não vai morrer de fome. Tá, eu sei que vai ser difícil no
começo, mas... Eu vou trabalhar em qualquer coisa se o nosso plano não der
certo. Até você pode trabalhar. A gente vai se virar.
- Não sei, eu tô com muito medo.
- A maior parte das minhas roupas já tão no trabalho.
Separou mais algumas suas para eu levar na minha mochila e deixar lá junto com
as outras?
- Separei. Também não temos tanta roupa assim.
- Então, tá quase na hora de voltar para o trabalho. Vai lá
pegar, que eu vou passar com a mochila.
Ela se levantou e
saiu. Ele saiu um pouco depois, e quando voltou que encontrou com ela na sala
principal, sentou ao lado dela. As Irmãs não vigiavam os dois, pois eram irmãos
gêmeos e viviam juntos. (Fato que impediu seis vezes deles serem adotados, pois
as famílias que vieram, não quiseram separá-los). Discretamente ela tirou
algumas peças de roupas de debaixo da blusa e ele as colocou na mochila e saiu
para trabalhar. Ele se levantou e foi embora, e quando ela olhou para o lado,
viu que Terezinha a encarava.
_______________________________ Parte 02
Era duas e meia.
Um casal tinha chegado há poucos minutos, e Glória já os tinha visto duas
vezes. Certamente iriam sair com um dos órfãos. Ela apostou consigo mesma que
deveria ser o Thiaguinho ou o André, ambos meninos brancos de oito meses. Se
surpreendeu quando eles saíram levando Natália, uma menina negra e gordinha de
seis anos. Ficou feliz por ela ter conseguido ser a escolhida. Terezinha se
aproximou e falou:
- Tá vendo, ela também é negra, e foi adotada! E olha que
ela é gorduxa! Já você, ninguém te quis, mesmo sendo magrinha...
- E você? Já se perguntou por que nunca foi escolhida por
ninguém? Talvez as pessoas olhem para você e enxergue a sua ruindade.
- Eu vi você passando alguma coisa para o seu irmão. Sabia
que eu posso contar a Madre? Amanhã é o dia de lavar os banheiros...
- Faça o que quiser, sua fuxiqueira. Vai lá contar a Madre!
- Eu vou só esperar descobrir o que você tá aprontando, aí
eu entrego para a Madre, sei que o castigo vai ser bem maior!
Fernanda chegou e
perguntou “o que tá acontecendo aqui” e Terezinha disse que ainda não sabia,
mais assim que descobrisse, ia contara a Madre, para que as duas fossem
castigadas. Fernanda mandou ela deixar as duas em paz, e ela saiu cantando
“Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear”, música que estava fazendo
sucesso no rádio e na televisão, que há duas semanas ela cantava para irritar
os outros órfãos; os que eram negros. Fernanda perguntou:
- O que ela queria?
- Ah, Nanda; o de sempre, me irritar. Ela viu eu entregando
uma roupa para o Bruno, mas ela não sabe de nada ainda.
- Então você vai mesmo fugir com ele?
- É meu irmão. Eu não posso deixar ele ir sozinho.
- E quando é que vocês vão? Já sabe?
- Amanhã à tarde.
- Amanhã?!? Nossa, eu pensei que ainda ia demorar.
- É por isso que eu tô tão nervosa...
- Nossa... E eu te achando triste, achei que era tristeza,
não preocupação...
- Na verdade, estou triste sim. Muito triste...
- Você gosta daqui?
- Ah, vivo aqui desde que me lembro. Não, não gosto. Mas não
sei o que vai ser da minha vida. E...
- E?
- Eu tô gostando de um menino... Pronto, falei.
- Sério? E eu conheço? É daqui do orfanato?
- Não! Conhece, mas não é daqui do orfanato...
- Vai me contar, não vai?
- Nanda... É aquele que toca violão na calçada, naquela casa
aqui perto.
- Mas... Você sabe que ele tá namorando?
- É, eu vi ele beijando uma loira há quatro dias atrás...
- Ah, por isso que eu notei que você tava triste...
- Pois é.
- E você conversou com ele alguma vez? Quer dizer, ele ao
menos sabe que você existe?
- Acho que não. Quer dizer, às vezes os nossos olhos se
encontravam quando eu passava voltando da escola e ele tava na calçada, mas
nunca nos falamos.
- E agora ele tá namorando... Puxa, que triste.
- Ah, eu já desconfiava que não teria chance, mas... Agora
fico pensando que vou estar longe e nunca mais o ver... Ontem pensei que seria
bom fugir, esquecê-lo; mas hoje acordei triste demais.
- Talvez você não deva fugir...
- Eu preciso. Não posso abandonar o meu irmão...
A Irmã Júlia
apareceu e chamou as duas para ajudarem na decoração natalina.
_______________________________ Parte 03
O sol estava
quase se pondo. Na sala principal do orfanato, alguns órfãos recortavam e
colavam os enfeites natalinos. Terezinha estava com a Irmã Diana dobrando as
roupas dos órfãos que elas tinham apanhado do varal. A Irmã Diana separou todas
as roupas e as duas saíram levando as roupas para os guarda-roupas dos órfãos.
Terezinha estranhou a pouca quantidade das roupas de Glória, principalmente
porque não viu entre elas a blusa laranja nem a rosa, que ela cobiçava tanto.
Fez questão de colocar as roupas dela dentro da cômoda que havia ao lado da cama
dela, e se surpreendeu ao ver a cômoda dela quase sem roupas. Se perguntou o
que estava acontecendo.
Quando Terezinha estava
indo jantar, encontrou Glória no corredor principal e falou:
- O que você está tramando? Eu vi que as suas roupas não
estão na cômoda.
- Você foi espionar a minha cômoda?
- Não, só fui levar as roupas que estavam no varal, pois
faço bem as minhas tarefas, ei, não mude de assunto, onde estão as suas roupas?
Por que não estão na cômoda?
- Isso não é da sua conta.
- Eu vou contar a Madre!
- E eu digo que não sei de nada.
- Ela vai fazer você falar!
- Ah, não enche.
Glória saiu em
passos rápidos e Terezinha ficou sem saber o que fazer. Deveria ir logo contar
a Madre, ou jantar? Decidiu jantar primeiro. Durante a janta, viu que Glória e
Fernanda conversavam sussurrando e teve certeza de que algo estava acontecendo.
Quando terminou de jantar, correu para a sala da Madre, e se surpreendeu com a
Irmã Adelaide saindo de lá. Ela disse que a Madre estava repousando, Não estava
se sentindo bem e que não devia ser incomodada. Perguntou se era importante, e
Terezinha demorou a responder, então ela disse que Terezinha voltasse de manhã.
Era costume os
órfãos assistirem tevê depois do jantar. Podiam assistir a novela das sete e o
telejornal que vinha depois, e então tinham que irem dormir. Terezinha preferiu
ficar no quarto lendo a Bíblia.
Quase nove horas
Fernanda e Glória entraram no grande quarto com seis beliches que agora era só
das três. Terezinha dormia no último beliche, e as duas nas camas de baixo dos
dois primeiros; mesmo assim elas caminharam até o fim do quarto. Terezinha
parou de ler quando notou que elas se aproximavam. Fernanda falou:
- E então, contou a Madre? Ganhou uma estrelinha?
- Não contei ainda, parece que a Madre está doente, eu não
quis incomodá-la com notícias ruins, mas amanhã logo cedo eu conto.
- O que a Madre tem?!?
- Não sei, Adelaide não quis me dizer. Você sabe que vai se
dar mal ajudando a Glória, né Fernanda?
- Não. Quem vai se dar mal é você se contar alguma coisa a
Madre!
- Ora, vocês fazem coisas erradas, e querem que eu ignore?
- Terezinha, caso você tenha esquecido aquela conversa que
tivemos há menos de um mês, eu vou refrescar a sua memória: Eu sei seu segredo!
- Você falou que não ia contar a ninguém!
- Se você nos deixasse em paz. Ainda não contei a ninguém,
mas se amanhã você falar alguma coisa para a Madre, eu vou contar para todo
mundo.
- Então você sabe o que a Glória tá tramando... Peraí, você
faz parte também? Vocês vão se ferrar quando a Madre descobrir!
- Você nem pense em falar com a Madre...
- Pode deixar, eu não vou falar. Mas eu sei que ela vai
descobrir, mentira tem perna curta! E eu vou adorar quando isso acontecer.
- Quer saber? Melhor a gente ir dormir. Não vale a pena
perder tempo com você.
- Poderiam ler a Bíblia, rezar... Pensar nos pecados que
cometem...
- Eu vejo você ler a Bíblia toda noite, e grande exemplo de
pessoa você é.
As duas foram
para as suas camas e Terezinha voltou a ler.
_______________________________ Parte 04
O dia estava meio
nublado. Era nove e meia da manhã. A Irmã Adelaide pediu um voluntário para ir
na farmácia mais próxima comprar um xarope para a Madre, e Glória se ofereceu.
O coração estava acelerado, ela sabia que nesse horário era grande a chance do
rapaz que tocava violão na casa de paredes cinza está na calçada. E estava.
Lavando a bicicleta, só de calção e sandálias.
Calção laranja, havaianas brancas. Ela desacelerou os passos, mais o
coração só acelerava mais. Estava bem perto quando ele olhou para ela e os
olhos se encontraram, mas os deles não parou nos dela como ela esperava. Ele
nem olhou para ela, continuou lavando sua bicicleta, e ela continuou andando. Ainda
olhou para trás duas vezes, mas ele não olhava para ela.
A farmácia era
logo na primeira esquina e ela quase não demorou. Pensou que talvez na volta
tivesse a chance de falar com ele. A última chance na verdade. E nem sabia o
que dizer, só queria conversar, nem que fosse perguntar se ele achava que ia
chover.
Quando dobrou a
esquina, teve uma surpresa desagradável. Lá estava a loira, toda de rosa. De
longe parecia até que era uma das paquitas da Xuxa. Glória quase chorou de
raiva e de decepção, pois ao passar por eles, foi como se fosse invisível.
Chegou no
orfanato e pouco depois contou a Fernanda o que aconteceu, e disse que mesmo
assim, ainda sentia muito em fugir e ficar longe dele, de não o ver mais, de
não ouvir mais ele tocando violão, as músicas daquela banda de rock que era o
maior sucesso, a Legião Urbana... E que toda vez que ouvisse iria lembrar dele.
Passou quase uma
hora, Fernanda estava no jardim, pensativa. Sabia que ela iria fugir às duas e
meia para se encontrar com o irmão e sumirem no mundo. Será que não deveria
impedir essa loucura? Pensou mais um pouco. O único jeito de impedir era contando
a Madre. Tinha que fazer alguma coisa, e decidiu ir conversar com a Madre.
Poucos minutos depois estava na porta da sala da Madre. Quando atravessou a
porta, ficou com medo. Glória era a única amiga, mas poderia passar a ignorá-la
se fosse traída. Era melhor ter uma amiga distante do que alguém magoada por
perto. E se fosse o contrário, perdoaria a amiga? Não. Então não podia contar.
A Madre quebrou o silêncio:
- Diga menina, o que veio fazer aqui?
- Ah! Sim, claro... Eu soube que a senhora estava doente, e
não lhe vi hoje, fiquei preocupada...
- Obrigada pela visita, estou bem melhor. Só preciso
descansar.
- E eu lhe abusando... Desculpe então. Só vim ver se a
senhora estava bem.
- Sim, estou. Está acontecendo algo?
- Não. Tudo bem. Eu vou voltar, estamos terminando de
decorar o orfanato. Está ficando bem bonito.
- Que bom. Depois vou ver.
- Tá. É só isso. Com licença
Fernanda resolveu
ajudar na decoração para passar o tempo, e quem sabe diminuir a preocupação que
sentia.
Era quase hora do
almoço. Glória foi para o quarto e ao entrar, viu que Terezinha estava olhando
as gavetas da cômoda. Terezinha riu e disse:
- Engraçado, hoje tem menos roupa ainda. Só as mais velhas,
para falar a verdade.
- E você pode ficar com elas para você, já que está aí namorando
elas!
- Isso aqui só serve pra pano de chão. O que tá acontecendo
então?
- Tá, vamos fazer assim; você me conta o seu segredo, e eu
te conto o meu.
- Ora...
- Ah, me esquece! Vai cuidar da tua vida e me deixa em paz.
- Eu vou, mas escuta o que eu te digo, seja o que for que
você tá planejando, você vai se dar mal. Depois não diga que eu não avisei.
Terezinha saiu e
Glória pensou: “Ainda bem que ao menos eu vou ficar livre dessa peste”.
Depois que
almoçaram, Fernanda e Glória ficaram no jardim. Alguns órfãos e duas irmãs
faziam a decoração natalina do jardim. Gloria disse quase num sussurro:
- Vou sentir sua falta.
- E eu a sua. Nossa, vai ser insuportável ficar só com a
Terezinha naquele quarto.
- Mas tem umas três meninas que logo vão completar doze
anos...
- Tem certeza que vai mesmo fazer isso?
- Não dá mais pra voltar atrás. Eu quero, acho que é melhor,
pra falar a verdade. Não esquece o que combinamos, depois que eu sair, tenta
segurar a Terezinha por um tempo, se for preciso. Vou tentar sair sem ela me
ver.
- Eu tive um sonho ruim... Acho que o medo do que pode
acontecer... Por favor, se acontecer qualquer coisa, liga aqui para o orfanato.
- Não se preocupe... A gente vai se virar... E depois eu vou
te escrever. Você é uma grande amiga.
Se abraçaram, e
seguraram as lágrimas, e logo se separaram para que os outros não percebessem
que estava acontecendo alguma coisa.
Era duas horas e
dez minutos quando Glória se aproximou da Irmã Júlia e disse:
- Irmã, queria falar
com você...
- Pode falar, Glória.
- É que... O meu irmão me deu dinheiro pra eu comprar um shampoo...
Daqueles que deixa o cabelo mais fácil de pentear... Será que a Madre deixa eu
ir comprar aqui no mercadinho? Tô com medo de falar com ela...
- Hum... Acho que você pode ir. É no mercadinho aqui perto?
- É. O meu cabelo é tão ruim de pentear...
- Está bem, pode ir.
- Obrigada.
A irmã Júlia
voltou a se preocupar com a decoração natalina. Glória piscou para Fernanda,
olhou para os lados e não viu Terezinha. Abriu o portão e saiu. Fernanda se
juntou aos outros órfãos que decoravam o jardim.
Passou um pouco
mais de uma hora, e Terezinha apareceu no jardim que a essa altura já estava
quase todo decorado. Não custou muito e ela viu que Glória não estava ali. Era
a chance de descobrir o que ela estava aprontando, então foi procurá-la no
quarto. Vasculhou o orfanato todo e não a encontrou. Voltou ao jardim e
perguntou a irmã Penélope, e depois a Irmã Júlia, que lembrou que ela tinha ido
ao mercadinho, há mais de uma hora. A Irmã Júlia mandou Francisco (um dos
órfãos, de dezessete anos) ir ao mercadinho, e quando ele voltou e disse que o
dono falou que Glória não esteve lá, começaram a ficar preocupados. Terezinha
gritou “ela fugiu, e a Fernanda sabe de tudo!”; mas Fernanda negou saber de
alguma coisa. Terezinha insistiu “ela fugiu, por isso que não tem roupas na
cômoda dela!”.
A Irmã Júlia foi até o quarto e viu que quase
não havia roupas na cômoda. Quando a Madre ficou sabendo, ligou para a oficina
onde o irmão de Glória trabalhava e descobriu que ele tinha saído mais cedo,
depois de receber o salário do mês. Ela desligou, olhou para a Irmã Júlia e
disse:
- Céus, eles fugiram! O que está acontecendo aqui? O que há
de errado com essa geração? Damos um pouco de liberdade, confiança para eles
terem um futuro e eles estragam? Meninas grávidas, crianças fugindo... Estamos
perdendo o controle.
- Calma, Madre... A senhora acha que devemos avisar a
polícia?
- Sim. São crianças!
Terezinha
interrompeu, dizendo que achava que Fernanda sabia de alguma coisa, pois viu as
duas conversando muito nos últimos dias. A Madre mandou chamar Fernanda e
conversou com ela, que disse que não fazia idéia dos planos de Glória. A Madre
mandou todo mundo sair e ligou para a polícia. Depois a Madre comunicou a todos
que o que podiam fazer agora era rezar e esperar.
Passou o resto do
sábado, e no dia seguinte, quase dez e meia, o telefone tocou. A Madre atendeu:
- Alô?
- Madre, aqui é o Pequeno!
- Pequeno! Como estão as coisas?
- Está tudo bem com a minha família... Madre, Os gêmeos
chegaram aqui no circo ontem à noite... Eles não sabem que estou ligando, eu
sei que a senhora deve estar preocupada, mas...
- Eles estão aí?!? Você tem que os mandar de volta!
- Madre, eu conversei com eles hoje cedo. Eles não querem
voltar. Me disseram que se eu não arrumar trabalho para eles aqui no circo, vão
procurar noutro canto, mas não voltam pro orfanato...
- Eles são crianças, não tem querer. Eu até já comuniquei a
polícia. Aonde o circo está?
- Perto, na Paraíba. Madre, me deixe conversar com eles, eu
vou resolver.
- Espere. Pequeno, a lei e as regras do orfanato permitem
que eles trabalhem, desde que continuem estudando até a oitava, pelo menos. Só
que a Glória ainda ia fazer a oitava no próximo ano. Se você se responsabilizar
por eles, eu vou achar bom. Saber que eles estão com você me deixa aliviada.
Tenho medo de trazê-los e eles fugirem de novo.
- Madre, eu vou falar com o Wilson. O circo está mesmo
precisando de mais palhaços, e eles levam jeito. Me mostraram um texto ontem
bem criativo, eu ri muito.
- É, desde aquela vez que eles lhe viram no circo que eles
brincam de ser palhaços, até se apresentaram aqui no dia das crianças esse ano
como os palhaços Vareta e Caniço. E eles levam jeito.
- Então, eu vou ver o que posso fazer.
- Pequeno, obrigada por me ligar, estava muito preocupada,
são só crianças.
- Madre, fique sossegada, resolveremos isso. Preciso
desligar. Eu dou notícias.
Ele desligou e a
Madre ligou para a polícia e avisou que já tinha encontrado os gêmeos. Depois
comunicou as outras irmãs, e disse que a partir de agora, todas deveriam ter
mais cuidado para que essa cena não se repita.
Fim