quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Músicas descartáveis.


Antigamente era muito difícil conseguir gravar um disco. Mesmo antes da fabricação de discos e fitas, era difícil ser cantor ou cantora. A música era algo levado a sério, tinha que ter uma bela voz, ter muita técnica vocal para poder cantar em rádios e ficar famoso. Até mesmo as composições precisavam falar de algo que tivesse verdade, sentimento. Mesmo as marchinhas de carnaval, ou as músicas populares cantadas em reuniões familiares e festas religiosas, tinham alguma importância.

Hoje em dia a coisa é bem diferente. Uma mesma base pode servir para muitas músicas, e qualquer um pode fazer sucesso. A prova disso é o Funk e a Swingueira. Músicas que são mais para dançar, mas que são as mais descartáveis que existem. Menos importante que o Aché music, que era ainda menos importante que as marchinhas carnavalescas. Músicas feitas apenas para uma estação, o verão ou o carnaval.

Tirando as marchinhas de carnaval, as outras músicas no Brasil antes de existir a televisão eram muito importantes, românticas de verdade, mesmo que fossem bregas ou as sertanejas. Se você pesquisar as músicas antigas, verá quanto sentimento elas expõem. Mesmo sem a variedade de arranjos possíveis hoje, elas são belas.
Com a chegada da televisão no Brasil, as coisas começaram a desandar. Lentamente a tevê transformou as pessoas em mais consumistas do que eram, e não só para os produtos anunciados por ela, mas em tudo; ou melhor dizendo, transformou tudo em produto. Teatro, esportes, músicas – para a televisão são só produtos.

Quando surgia um estilo no Brasil, como o rock’n’roll puro dos anos sessenta, a tevê logo o transformava em um produto para prender a atenção do povo. E o pior é que ninguém percebia isso, afinal é bom está informado das novidades, saber o que anda acontecendo no mundo. E a partir daí, tudo que surgia ou virava modinha e ia logo para a tevê, ou era um movimento cultural que também acabava na televisão. Mas a culpa não é do Brasil, é exclusiva da televisão; está acontecendo no mundo inteiro onde a tevê tenha liberdade para apresentar o que quiser.

Até o começo dos anos oitenta, televisão era um artigo de luxo, coisa da classe média ou alta, o país estava bem atrasado, ainda saindo da ditadura, e o rádio era o meio principal de divulgar músicas, e era muito difícil. Os lançamentos eram bem definidos por estações. Tinham bandas que lançavam para o são João, outras para o verão e o carnaval. A MPB era formada pelos famosos, os que tocavam nos rádios o ano todo; os que tinham músicas em novelas ou em algum outro programa da tevê. Os cantores e bandas passavam três anos para gravam um novo disco. Até então não se notava o efeito devastador que a tevê vinha causando à cultura.

Foi nos anos oitenta quando muitas tevês foram vendidas para a população, que as emissoras de televisão começaram a lutar por audiência, e por isso tinham que mostrar coisas novas. E foi a partir daí que começou a pegar os movimentos musicais e tirar proveito deles. Eu era criança na época do rock brasileiro (bons tempos aqueles) e as bandas como RPM, Legião, Titãs, Paralamas e outras estavam sempre aparecendo na tevê. Mas ainda era difícil fazer música, e os jovens ainda tinham o sonho de ser um músico. Com a tevê transformando música em produto, a maioria dos jovens daquela época começaram a fazer música para ganhar dinheiro. 

Tinha surgido o Axé music anos atrás, ritmo dançante para o carnaval da Bahia, e então os jovens começaram a inventar modinhas, e veio o novo sertanejo, o pagode, e não demorou para vir os dois ritmos mais descartáveis da estória: A Swingueira, e anos depois o Funk. Sem falar nas muitas modinhas “alguma coisa universitário” – como o forró pé de serra, o sertanejo, e etc. E outras que tentam renovar o rock, como o movimento Emo. Música virou um produto. Bandas e cantores passaram a gravar CDs todo ano, DVDs, shows ao vivo, etc.

Voltando um pouco no tempo; quando surgiu o Axé music, era música para um carnaval, mas não eram tão insignificantes como as de Funk e Swingueira. Mesmo quem não gosta de Aché music, deve se lembrar ainda de algumas músicas do Chiclete, Asas de águia, Jamil, e outras bandas daquela época. Já as músicas de Swingueira e Funk de hoje em dia, você não lembra delas quando se passa dois anos, são totalmente descartáveis. (Eu já vi minhas sobrinhas que gostam de rebolar ouvindo Swingueira reclamar porque a música que estava rolando numa festa era do ano passado). Algumas músicas são tão descartáveis, que somem logo depois do carnaval. São músicas para dançar, mas não são como as músicas da discoteca ou as marchinhas antigas, nem o Aché dos anos oitenta; as músicas desses dois ritmos tem uma coreografia quase pornô, movimentos repetitivos de pessoas rebolando e simulando sexo.

Eu me senti ofendido quando um apresentador comparou o sucesso de um funk (acho que era aquele do lek, lek, lek) com o sucesso que um dia fez o Tom Jobim. É vergonhoso que alguém compare qualquer música do Tom Jobim (com arranjos incríveis) a um funk que é uma repetição de pouca criatividade. E isso não é culpa exclusiva da televisão, a internet tem a sua parcela. As pessoas não percebem que o consumismo acaba com a beleza das coisas, que ao pedir essas músicas no rádio, estão tirando o espaço de grandes músicos como Djavan, Caetano, Roberto e muitas bandas boas.

O problema é que estamos cada vez mais consumistas e com a facilidade surgem centenas de bandas a cada ano. Às vezes algumas delas se destacam não pela música, mas pela dança diferente do clipe dela. Hoje em dia, as pessoas vão a shows não para curtir a música, mas para sair de casa ou tentar encontrar companhia. O ruim disso tudo, é que, com a falta de espaço, as bandas que antes queriam levar mensagens, contar estórias interessantes; estão tentando ser popular, fazer um som que role na tevê, e é muito difícil hoje encontrar uma banda ou cantor que não esteja fazendo música descartável.

Não estou julgando a qualidade das músicas, mas no geral, as músicas de hoje em dia não passam muita verdade. Acho que no futuro as pessoas ainda escutarão mais músicas das décadas de oitenta e noventa do que dessa época de 2000 aos dias de hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário